Reflexão. de Anónimo.



"Observo o meu reflexo com olhos aguados e inexpressivos. É um terrível clichê dizer isto, mas não o reconheço. É como se não pertencesse a mim, nem a este lugar, nem a este tempo.

E no entanto, faz todo o sentido que pertença. Os olhos nadam em pálpebras flácidas e olheiras profundas, as maçãs do rosto salientes como facas, as bochechas encovadas, como se as puxassem para dentro. Indícios de suor na testa, manchas nos lábios onde o filtro de uma infinidade de cigarros se encaixou.

Consigo ver ali, na posição daquelas sobrancelhas excessivamente grandes, todo um medo primordial. Mas é no brilho daqueles olhos castanhos que a dúvida se mostra, corrosiva, dolorosa, um presságio de longos dias esgotados na inércia do pânico. São pequenas fendas, pequenas seteiras, aberturas minúsculas para toda esta grande confusão.

Sei que são truques de ilusionismo. Pergunto-me, mesmo assim, se não devia sentar-me e conversar um pouco com este reflexo. Acho que começaria por perguntar: "Então, diz-me, como foi que viemos parar aqui?". Depois, encostava-me na cadeira e ouvia pacientemente.

Mas enfim, isso seria impensável. Prefiro vaguear por aí, sem rumo, sem plano, sem expectativas, do que perguntar a um total estranho sobre mim."


Anónimo.

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