O Aeroporto, de Joaquim Taborda















Os olhos da menina, de tão escuros e arregalados, pareciam duas pérolas negras nervosas. 
Com a mão dada à mãe e encostando-se à sua perna, não fosse perder a sua referência, olhava tudo e todos sem entender o que se passava. 
Só via gente que não conhecia, nem queria conhecer, num movimento constante, de quem vai sem vir. Gente com ar nervoso e ausente. Gente que disfarçava ser gente. 

Lá em casa a mãe tinha preenchido os dias com lágrimas e sorrisos, dizendo-lhe que o pai ia. 
A menina sempre pensou que o pai ia todos os dias. Assim como voltava todos os dias. 
Agora, naquele edifício onde nunca estivera, preferia ter ido ao sealife, só via gente que chorava ou que ria. Uns novos e outros velhos. Mas todos de malas e sacos. 
O pai fazia-lhe tantas caricias, que o aeroporto até lhe parecia quase melhor que o sealife. Pegava-lhe ao colo e abraçava-a, para a pousar de seguida e virar a cara, inspirando e enchendo até metade dos pulmões. 
A mãe tinha a mão suada, mas não a largava mesmo quando abraçava o pai com ternura. 

- Vai correr tudo bem. Coragem. Vai correr tudo bem. 

A menina não se lembrava, na sua tão pequena memória, de os ver tão amigos, como neste últimos dias. Ela andava muito contente. Depois de um tempo em que o pai tinha andado nervoso, impaciente e a falar mal do patrão e de todos, até dos senhores que aparecem na televisão, o pai voltou a dar muitos abraços à mãe. 
Estavam a ser uns dias muito bons. Deixara o colégio, onde almoçava, e passou a frequentar uma escola onde a mãe a ia buscar para almoçar. Os olhos, tão negros, tremiam pelo espanto de não entender o que se estava a passar naquele momento e naquele local. Os pais olhavam-se entre si e derramavam-se nela. 

A mão grande, enorme, do pai deslizava da face da mãe e pousava delicadamente na sua face. 
Naqueles olhos grandes arregalados começou a cintilar um brilho de receio. 
De repente ficou um pouco temerata. 
Apertou-se mais na mãe. Olhava para cima do alto dos seus cinco anos. 
O pai, ajoelhou, e deu-lhe um beijo e um abraço. Disse-lhe ao ouvido: - Volto já. Obedece à tua mãe minha princesa.

Levantou-se, beijou a mãe e dirigiu-se a uma porta onde mostrou um bilhete a um senhor. 

- Mãe, onde vai o pai ? 
- Já te disse querida, vai trabalhar. Só que num lugar longe e tem que ir de avião. 
- E ele ... 
- Agora não filha, vamos para casa, que dói a cabeça à mãe. 
- Porquê ? 
- Oh filha querida, sei lá... Tantos sonhos !! 

Apertou a mão da mãe e sentiu cair uma lágrima como se fosse 
começar a chover. Ali dentro do aeroporto. 
Afinal eles não sabiam que o sonho (não) comandava a vida.


Joaquim Taborda

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