Em Lisboa de André Borges

Em Lisboa


Às quinze horas, numa Terça-Feira de Verão, estavam duas pessoas à janela de um prédio alto perto do largo Marques de Pombal, em Lisboa. Uma delas dizia à outra que tudo estava a acontecer ao mesmo tempo, olhando o movimento no largo com uma expressão vaga, ao que a outra respondia que nada estava acontecendo. Uma pomba, vindo a esvoaçar de um sítio incerto pousa num poste ali perto e larga uma caganita que vai aterrar em cheio no blazer de um homem de negócios que passa lá em baixo, na rua. "Vês", diz uma das pessoas, à janela, reparando naquela situação, "tudo está a acontecer ao mesmo tempo!", com um ar iluminado na cara. "Não", responde a outra que também tinha reparado no que sucedera, "aquilo não é nada!!", "acontece a toda a hora em Lisboa...!". Aborrecida, a outra, faz um ar franzino para o ar e olha para o outro lado. "Nada está acontecendo...", "que tédio...". Tudo estava a acontecer ao mesmo tempo e nada estava acontecendo. As pessoas à janela eram uma´e a mesma mas uma decide retirar-se para dentro para preparar um chá de camomila para beberem à mesa enquanto a outra se deixa ficar à janela, naquela tarde solarenga, a olhar o movimento do largo. "O chá está pronto!". Ninguém ouve nada. Os carros continuam a contornar a rotunda, os pombos continuam ora a voar ora a empoleirar-se em objectos aleatórios e uma voz dentro da cabeça da pessoa parece dizer, num tom de neblina: o chá está pronto!
Nisto a pessoa à janela olha para a sala de estar e vê-se a si mesma ali sentada à espera de que o chá arrefeça para se servir. É então que repara que há duas chávenas, dois pires e duas colheres na mesa. Pergunta-se por quem esperará ela visto estar sozinha em casa desde manhã. Mas, ao perguntar-se isto, nenhuma voz se ouve dentro da sua cabeça. Pergunta-se isto apenas com os sentidos e sente-se feliz, naquela Terça-Feira de Verão porque tudo está a acontecer ao mesmo tempo e nada está acontecendo.

André Borges

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