MEDO
Sentei-me trêmula. Qualquer
coisa escorria pelo meu rosto, mas eu não conseguia ver. Pensei estar cega.
Não, não pode ser. É apenas um sonho ruim. Meu corpo era uma dor só! Mas
tentava teimosamente entender. O que fazia eu ali, amarrada?
Lembrei. Andava na calçada, parei na esquina. Fui puxada
para dentro de um carro. Um grito. Um saco fedido na cabeça. Palavrões. Uma
pancada forte na minha cabeça. Acho que desmaiei depois disso. Devem ter-me
jogado em algum catre sujo.
Acordei com palavras ásperas, cortantes: Em pé, vamos, ande!
Como eu andei, não sei. Não sentia minhas pernas, acho que fui arrastada.
Também não conseguia enxergar nada, o danado do saco continuava lá.
Agora sentada, aguardava o que viria ainda. As mãos
amarradas, os braços formigando de câimbras. Só podem ter-me confundido com
outra pessoa. Rezei. Vão ver logo o engano.
Nem terminei a oração. Ouvi, assustada, o ruído de botas. O
coração disparou. Botas me apavoravam. Eu, menina, escondida em baixo da cama,
olhando botas arrastando as pernas de meu pai não sei para onde. Só sei que
nunca mais o vi.
Nem sei quanto tempo fiquei ali em baixo, quase sem
respirar, esperando que os ruídos da casa terminassem. Junto com a noite, uma
escuridão apavorante. Onde estaria minha mãe?
Foi quando vi sua mão me puxando para fora da cama, seus lábios pedindo
silêncio. Estava com uma mala pequena e um saco nas costas. Tentava se
comunicar comigo na base de sinais.
Descemos a escada como gatos, maciamente. Na cozinha ela fez uns
sanduiches com o que tinha na despensa, colocou tudo no saco e me deu um pedaço
de queijo. Isso tudo não durou mais do que dez minutos. Depois ela abriu a
porta que dava para o quintal, fechou-a atrás de si e olhou longamente para a
casa, como se nunca mais fosse regressar. Até hoje me lembro de seu olhar
desolado, como a abraçar a casa e um passado que ficaria para trás.
Arrancaram o saco de minha cabeça. Nem cheguei a levantar a
cabeça para não ver a cara do homem de uniforme à minha frente. Olhar aquelas
botas fez o medo tomar conta de mim de uma maneira avassaladora. Não ouvia o
que diziam. Não senti o que faziam. O mundo ficou sem som, sem cor. Eu só
conseguia ver botas, enormes, aterradoras. Fui totalmente sugada pelo medo. Era
tanto que parecia que eu não tinha mais corpo, nem mente. Nem dor, nem
lembranças. Só medo, imenso, me enrodilhando como cobra quando pega bezerro,
até matá-lo de vez por asfixia.
E homem de botas cortou o silêncio como se o fizesse com uma
lâmina:
— Quem é essa aí?...
Suzana da Cunha Lima
1 comment:
Texto muito bem construído. Desperta logo o interesse. Vamos entrando logo no clima do personagem, suas emoções, indagações e medo. Final surpreendente.
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