Fadas, Duendes e Peluches, de Maria Alfacinha

Tenho um sótão mágico como todos os sótãos o são.

É nele que vivem os peluches, as bonecas, os jogos, os livros de histórias, as plasticinas e os lápis de cor. Num dos armários, no forro do telhado, dentro de caixas verdes e vermelhas, guardo pequenos objectos que vou descobrindo e comprando durante o ano e que, em Dezembro transformam aquele espaço num verdadeiro entreposto da Oficina do Pai Natal. Mas nada disto é estranho. Pelo menos para mim que desde menina sei que os sótãos foram desenhados por fadas. Só uma fada se lembraria de criar uma divisão de tecto esconso que nos obriga a ser pequeninos e colocaria janelas no tecto em vez de as abrir na parede. Quem mais teria uma ideia assim? Em abono da verdade, as únicas fadas que realmente conheço vivem em jardins e nunca soube de alguma que tenha habitado uma casa. Esguias e brilhantes, vestidas de pétalas e com asas de libelinha, são elas que arrumam as gotas de água que ficam nas plantas, trazidas pelo orvalho da manhã, para que os raios de sol reflictam todas as cores do arco íris. No Verão, escondem-se no fresco dos arbustos o que nos obriga, a nós simples humanos, se as quisermos vislumbrar, a baloiçar no limbo entre o mundo real e o dos sonhos num sossego de tarde quente, o que, embora nos roube a certeza do que sabemos e até da idade que temos, é a única forma de as fazer aparecer.



Mas quanto a mim foi num dia de chuva como o de hoje, um daqueles dias em que as crianças colam o nariz nas vidraças, fechados no quente do lar e saudosas do mundo lá fora, que as fadas inventaram os sótãos. Foram elas que entenderam a urgência de um espaço onde fosse possível a fantasia e o sonho, na terra dos crescidos em que as prioridades são determinadas por relógios e horários que só as crianças sabem serem absurdos.

Por isso não há horas nos sótãos. Não aquelas horas que têm 60 minutos como nos ensinaram na escola. Num sótão uma hora tem os minutos que quisermos, pode ser apenas um piscar de olhos ou pode ser uma vida inteira. Não há uma medida certa, normalizada, o tempo tem a dimensão que a nossa imaginação ditar. Também o espaço não existe. Num dia um sótão pode ser casa de bonecas com panelas e chás, noutro pode ser o universo infinito, palco da mais terrível batalha intergaláctica.

No tempo de um bocejo as paredes que o rodeiam desaparecem e as cadeiras transformam-se em frágeis pirogas que baloiçam nas perigosas correntes dos tapetes feitos rios imensos e barulhentos, para logo de seguida se transformar em Velho Oeste, com índios e cowboys ou em selva assustadora repleta de animais selvagens. E basta mergulhar numa história de encantar para que as almofadas – obrigatórias em todos os sótãos - se transformem em asas de sonhos e nos transportem para reinos de princesas e dragões que os adultos já esqueceram que existem.


Tenham paciência. Nem sempre sou a única responsável pelas palavras que escrevo. Hoje tive uma discussão com um urso de peluche e isso afectou-me a disposição. É que me prometeram um passeio no dorso de um unicórnio. Não que alguma vez eu tenha encontrado tal personagem, nunca tive a sorte de conhecer um pessoalmente. Mas há muitos, muitos anos houve um deles que me mandou recado por um duende rezingão que tinha o mau hábito de roubar tudo o que eu deixava no quintal, e esta noite sonhei com isso. E não é que o Urso Amarelo, mal eu acordei, ou talvez nem ainda tivesse acordado, disse que eu já não tinha idade para tais passeios? Tudo porque desde que o trouxe para casa o tenho conservado na sala, sentado numa pilha de livros, em vez de o levar para o meu sótão mágico conforme lhe prometera. Mas há pouco, quando o encaixei entre a Foca Azul e a Boneca de Trapos quase que juro que o safado me piscou o olho. Pode ser que nem tudo esteja perdido, talvez ele interceda por mim, e eu ainda consiga ir dar o tal passeio. Mais tarde, mais tarde, que agora tenho que ir lanchar com o Coelhinho da Páscoa e o resto da família.

Maria Alfacinha

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